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O incêndio de 15 de Outubro de 2017 no Pinhal do Rei

           A Mata Nacional de Leiria, oficialmente assim designada mas carinhosamente conhecida no Concelho da Marinha Grande por Pinhal do Rei, desapareceu quase na sua totalidade.
            De facto, com início no passado dia 15 e consequente prolongamento a 16 deste mês de Outubro, um incêndio de grandes proporções fez desaparecer, segundo as primeiras análises, cerca de 86% do Pinhal do Rei, desaparecendo, assim, quase dois terços do património natural do Concelho da Marinha Grande.
            Este invulgar incêndio outonal, ocorrido num atípico dia de Outubro, cuja temperatura chegou a atingir os 36º, parece ter tido a sua origem ao início da tarde a sul do Pinhal na povoação da Burinhosa ou nos seus arredores, em circunstâncias ainda por apurar.
            Com o país a atravessar um ano considerado de seca extrema, decorrido o Verão e chegando a Outubro mantendo-se as mesmas condições, o incêndio tinha todas as condições para uma favorável evolução. Para além disto, tendo início a sul da Mata, o fogo beneficiou também da fortíssima intensidade do vento e da sua anormal direcção, de sul para norte, contrariamente ao que é normal. Outro factor que muito contribuiu para a dimensão que o incêndio tomou está relacionado com a débil limpeza que tem sido dedicada ao Pinhal nos últimos anos, quase ocultando aceiros, arrifes e estradas, e originando uma enorme carga combustível.
            Por outro lado, também as inúmeras ocorrências, mais de 500 por todo o país, levaram, por falta de meios, a alguns contratempos no ataque a este incêndio, fazendo-se, porém, o possível e o impossível (quase) para acudir a tão grande catástrofe, havendo ainda a hipótese de, pelo meio, como justificação de tão grande número de ocorrências, ter havido alguma mão criminosa.
            Com a administração à distância, com o fim dos guardas florestais e equipas de trabalhadores rurais (assim eram chamados) ao serviço das matas nacionais, que tão bem tratavam delas, dois ou três técnicos locais revelam-se impotentes por falta de meios a todos os níveis. É como diz o provérbio: "não se podem fazer omeletes sem ovos".
            Este incêndio é cerca de 3,5 vezes maior do que o grande incêndio de 2003 e cerca de 1,8 vezes maior do que o incêndio do Facho em 1824, que ficou conhecido como "A Queimada", e que era até aos dias de hoje considerado como o maior incêndio (conhecido) no Pinhal do Rei. Agora já não é.
            Recordem-se as áreas ardidas nestes três incêndios:

            Em 2003, 2563 hectares (cerca de 25% do Pinhal)
            Em 1824, cerca de 5000 hectares (cerca de 45% do Pinhal)
            Em 2017, cerca de 9000 hectares (cerca de 86% do Pinhal)

            Depois desta tragédia, com o valor da madeira a desvalorizar rapidamente, o Pinhal será cortado a breve trecho. E se a tudo isto juntarmos alguns problemas que já vinham a revelar-se com a Duna Primária e a reflorestação atempada após os regulares cortes ou adversidades passadas, como foi o caso do já referido incêndio de 2003 ou do temporal de 2013, eis-nos de novo na época de D. Dinis, quando as areias vindas do litoral, impelidas pelos ventos de oeste, avançavam para as terras do interior prejudicando a agricultura e as novas sementeiras de Pinhal.
            Não sendo um problema apenas do litoral, e muito menos exclusivo do Pinhal do Rei, dadas as consequências da enorme área florestal ardida nos últimos anos, é necessário agir rapidamente mas de forma organizada.
            É preciso voltar ao início do século XIX, aos tempos de José Bonifácio de Andrada e Silva e gerações posteriores, que, desde esses remotos tempos, numa acção contínua, culminada com o Plano de Povoamento Florestal de 1938, eliminaram por completo, nos 30 anos que se seguiram, os desertos de areias móveis do litoral português e concluíram o povoamento florestal dos terrenos baldios a norte do Tejo.
            Depois de quase dois dias de árduo combate às chamas, com os corajosos bombeiros, que de todo o país acudiram a mais esta tragédia nacional, e com a ajuda da valorosa população, o incêndio, quase dominado, capitulou definitivamente numa noite chuvosa.
            Com o Sol de novo a brilhar, o pouco que restou desta esplendorosa Mata, com mais de 700 anos de história, ficará de lembrança daquela que era a mais antiga mata nacional. Porém, tudo o que dela desapareceu ficará para sempre na memória e no coração daqueles qua a conheceram, principalmente do Povo da Marinha Grande que sempre amou e respeitou a sua Mata, a “Catedral Verde e Sussurrante” como lhe chamou Afonso Lopes Vieira.
            É preciso, agora, saber reerguer o novo Pinhal do Rei, tratá-lo e amá-lo como fizeram os nossos antepassados, de modo a que os vindouros dele possam usufruir, tanto como nós usufruímos.

O incêndio nas suas primeiras horas.

Casa de guarda da Cova do Lobo destruída pelo incêndio.

Comentários

  1. Uma grande perda! Ontem fui ver o que tinha ardido, e foi inevitável chorar desalmadamente ao ver tamanha catástrofe.
    Vou continuar a acompanhar este seu belissimo trabalho.
    Bem haja por tudo.
    Marta

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  2. Felizmente, graças ao seu trabalho, vou poder mostrar às minhas filhas e espero que aos meus netos também (tenho 42 anos) como era o esplendoroso Pinhal de Leiria, ou como eu e muito lhe chamam de Mata nacional.
    Um abraço

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