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A ponte nova da Ponte Nova

            Em Setembro de 1948, a troca de correspondência entre Carlos Manuel Baeta Neves e Arala Pinto, a que recentemente tive acesso, abordava, entre outros assuntos, a necessidade de uma correcção torrencial no Ribeiro de S. Pedro de Moel, desviando o curso do ribeiro e obrigando ao derrube de alguns dos grandes eucaliptos ali existentes, tendo-se já cortado alguns sem aparente necessidade, no entender de Baeta Neves.
            Em carta datada de 5 de Setembro, o professor Baeta Neves dizia achar «(…) o caso tão estranho que não queria acreditar; árvores célebres, motivo de admiração de nacionais e estrangeiros, até as leis as protegem quando são de particulares, quanto mais sendo do próprio Estado…». Um pouco mais à frente dizia: «Surpreende-me tanto isto; em primeiro lugar que o ribeiro precise de uma obra tão artificial como a que se anuncia, (…) a intervenção humana neste caso repugna-me em tais moldes; e por outro lado que se cortem para isso árvores tão notáveis.».
            Mas Baeta Neves ia mais longe dizendo: «(…) venho pedir-lhe a confirmação destes boatos, porque sendo assim, como Presidente da “Liga para a Protecção da Natureza” tenho de levar esta a meter-se no assunto, reclamando (…), se acaso não se trata só de boatos, queira dar-me uma satisfação, lamentando ser forçado a uma atitude menos simpática para quem orienta os trabalhos na Ponte Nova (…)».
            A resposta de Arala Pinto, a 9 de Setembro, esclarece as dúvidas de Baeta Neves, tal como, nos dias de hoje, dá a conhecer um pouco das alterações que naquela zona e naquela época foram feitas com a construção da nova ponte. 
            A designação “Ponte Nova”, atribuída ao pequeno local do Pinhal do Rei, parece derivar de, naquele lugar, para se atravessar o ribeiro, se terem construído várias pontes “Novas”, sempre em substituição das antigas e velhas pontes daquele local.
            Na resposta a Baeta Neves, acerca dessas pontes, Arala Pinto diz: «(…) a chamada Ponte Nova, afinal tão velha que decidiu acabar os seus dias, deverá ser substituída por uma construção que ofereça todas as condições de segurança e fácil acesso. (…) e, parece-me bem, meu caro Carlos Manuel, que uma pontesinha de alvenaria não ficaria nada mal na Ponte Nova.». Referindo-se depois ao desvio do ribeiro diz: «Quanto à necessidade de artificializar os cursos de água, se artifício se pode chamar aos trabalhos de correcção torrencial, ela infelizmente existe, (…) (e) traduz-se no fim por protecção à Natureza e não por ataque, pois se deixássemos abandonados a si próprios os cursos de água em que se manifesta erosão, lá se ia a paisagem por água abaixo (…)», referindo-se ao previsto corte de eucaliptos para levar a cabo do necessário desvio do ribeiro.
            «O que há pouco aconteceu, já há muito estava previsto», referindo-se ao colapso da velha ponte da Ponte Nova; e comparando com uma ponte a jusante, já construída sob sua direcção, em cimento armado, continua: «O resultado viu-se e felizmente que a ponte ali atingida tinha o tabuleiro construído em cimento armado, que bravamente resistiu, porque se fosse em alvenaria tinha ficado completamente inutilizada como sucedeu à da Ponte Nova».
            Referindo-se depois aos eucaliptos que Baeta Neves dizia já ter visto cortados, diz Arala Pinto:
            «Os eucaliptos cortados na Ponte Nova e que tão grande celeuma levantaram (…) foram-no única e simplesmente para se poder obter vigamento e tabuado com as dimensões suficientes para se construir um passadiço provisório no local da ponte arruinada. Eram necessárias vigas de grande comprimento e resistência suficiente para que o apoio do novo tabuleiro se fizesse unicamente sobre a estrada e não sobre os arruinados encontros da ponte, (…) (e) era também a Ponte Nova um dos locais do Pinhal de Leiria onde se poderiam obter facilmente essas madeiras.».
            Acerca do necessário desvio do ribeiro, continua Arala Pinto: «Sabes bem que o local onde existem as ruinas da antiga ponte é bastante estreito e que o caudal do ribeiro, mesmo em época calmosa, é também bastante apreciável, sendo o leito constituído por areias. Estás a ver a dificuldade, senão quási impossibilidade de conseguir assentar firmemente as fundações de uma ponte em local com tais características sem efectuar previamente trabalhos de desvio das águas, trabalhos esses que na Ponte Nova implicam o indispensável corte de mais algumas árvores.»
            Continuando a justificar o desvio do ribeiro, Arala Pinto refere-se também ao «mau traçado da estrada, principalmente à saída da ponte para o lado da Vieira, onde existe uma curva que não chega a ter 8 metros de raio à qual se segue uma rampa de 11,5% de declive. (…) tal curva e rampa dificultam extraordinariamente o trânsito (…).
            Ora, uma vez que há necessidade de construir uma nova ponte, e que para essa construção necessário se torna desviar as águas do ribeiro, (…) (que se venha) a construir a nova ponte com todas as condições de facilidade e segurança e melhorar o seu acesso pela eliminação da tal curva e suavização da tal rampa.
            A solução do problema está pois na construção da nova ponte ser feita no local para onde necessariamente haveria que desviar o curso de água no caso de se querer reconstruir a antiga. Aí, com toda a facilidade, se construiria a nova ponte (…), depois do que as águas seriam desviadas para o novo leito, aterrando-se o antigo.».
            E voltando à questão dos eucaliptos já cortados termina: «Os eucaliptos já cortados (…), repito, eram indispensáveis para a construção do passadiço provisório (…)».
            Deveria ter havido uma segunda carta de Baeta Neves, à qual não tive acesso, pois Arala Pinto volta a responder a Baeta Neves a 23 de Setembro dizendo: «Acabo de ler a tua carta de ontem (…)». Nesta resposta Arala Pinto reforça o teor da primeira carta, mantendo tudo o que dissera anteriormente.
            Voltando agora aos nossos dias, de facto, as pessoas mais velhas com quem tenho falado sempre me referiram haver em meados do século passado, antes da construção da actual ponte, uma ponte de madeira na Ponte Nova. Aqui está, creio eu, a explicação.
            E, resumindo e concluindo, as coisas naquela época devem ter-se passado mais ou menos assim:
            Por volta do ano 1948 a velha ponte da Ponte Nova colapsou.
            Cortaram-se no próprio lugar da Ponte Nova alguns eucaliptos de grande porte para construir uma ponte provisória substituindo a velha ponte arruinada.
            Havendo necessidade de construir uma nova ponte, maior e mais robusta e em local mais seguro do que aquele onde estava a velha ponte, escolheu-se a sua localização tendo em conta uma inevitável e necessária correcção torrencial, melhorando o leito do ribeiro.
            Construiu-se a nova e actual ponte da Ponte Nova que, em ambos os acessos, nos pilares de protecção lateral do lado direito, tem a inscrição do ano de construção,1955.
            Melhoraram-se os acessos à nova ponte eliminando curvas apertadas e suavizando a rampa de saída em direcção à Vieira.
            Desviou-se o ribeiro para o novo leito, aterrando-se o antigo.

A velha ponte da Ponte Nova – Início do Século XX


A actual ponte da Ponte Nova

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