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A caixa de cigarrar

            As primeiras décadas do século XIX foram de extrema violência no que respeita a incêndios no Pinhal do Rei. Estes incêndios, que ficaram conhecidos como “Queimadas”, levaram o administrador do Pinhal, Rodrigo Barba Correa Alardo, a conceber, ao longo dos anos, uma série de documentos visando evitar tais incêndios. Nesses documentos criou regras, procedimentos e punições para quem não os acatasse. A limpeza do Pinhal, queimando os matos, a abertura de novos aceiros, o aumento dos guardas, a multiplicação das rondas e outros procedimentos a adoptar, faziam parte da grande luta contra os incêndios no Pinhal do Rei naquela época. Havia alguns bem curiosos, como a obrigatoriedade de, após uma trovoada, os guardas terem se subir aos pontos mais altos do Pinhal ou às torres das igrejas das povoações mais próximas para ver se havia vestígios de fumo em consequência de algum incêndio provocado pela dita trovoada. Mas o mais curioso dos procedimentos foi a caixa de cigarrar.
            Ora vejam:

            “Tendo acautelado os incêndios pela frente do Real Pinhal, queimando matos, abrindo e limpando novos aceiros, aumentando dois guardas e determinando a todos o método de serviço, e de rondas nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro, resta-me tomar cautelas, e prevenir quanto está da minha parte, os incêndios que podem desgraçadamente ocasionar-se nos lugares de trabalho pela indiscrição, e natural rusticidade dos Operários cigarristas, que são todos os Homens, e mesmo rapazes que trabalham no Real Pinhal, pois que sendo-lhe proibida a entrada com fuzil, assim como o uso do cigarro, apesar de tudo cigarram às escondidas, por uma força irresistível do hábito, e do vício em que estão, não duvidando para se subtraírem à surpresa dos Capatazes, em atirar para o mato com a ponta do cigarro, sem mais lhe importar se ela se apagou ou não: Sendo portanto de mais segurança para o Real Pinhal o dar faculdade para cigarrar, passo a determinar o método que se deverá seguir no uso do cigarro, pelas diferentes classes de Operários:

1 – Aos Capatazes das diferentes Classes de Operários se entregarão caixas de folha de ferro que principiarão ao serviço do 1º de Junho em diante

2 – Os Capatazes estabelecerão as suas caixas no ponto mais central dos seus respectivos trabalhos, e as terão sempre com meio palmo de areia

3 – Os Capatazes convencionarão com os seus Operários as horas em que poderão cigarrar

4 – Todos os Operários irão cigarrar dentro da caixa, e às horas convencionadas com os Capatazes

5 – Só aos Capatazes será permitido entrar para o Real Pinhal com o fuzil

6 – Os Capatazes não só não consentirão fuzis aos seus respectivos operários, mas serão obrigados a dar parte ao Mestre dos Reais Pinhais, de todo aquele que contrariar o determinado nos Artigos 4 e 5

7 – Os Capatazes mudarão de local para local as caixas, tendo cuidado de observar não só na ocasião da mudança, como em todos os dias no fim do trabalho, se na caixa fica algum lume para ser apagado, com todo o escrúpulo e segurança

8 – Os Capatazes serão responsáveis pelas caixas e pela sua conservação, assim como o serão, sem desculpa alguma, pelo uso que aqui lhes determino se faça delas

9 – Os Capatazes finalmente serão responsáveis por qualquer incêndio que possa acontecer no local dos seus respectivos trabalhos: O Mestre dos Reais Pinhais e o Director das Fábricas resinosas porão em execução esta minha ordem: registe-se e distribua-se a quem competir
24 de Maio de 1815”

Controlo de produtos secundários (pesagem) no Pinhal - Início do século XX
(In: Vieira, J. Neiva; Silva, J. Sande, Floresta Portuguesa – Imagens de Tempos Idos)

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