A Mata Nacional de Leiria,
oficialmente assim designada mas carinhosamente conhecida no Concelho da
Marinha Grande por Pinhal do Rei, desapareceu quase na sua totalidade.
De facto, com início no passado dia
15 e consequente prolongamento a 16 deste mês de Outubro, um incêndio de
grandes proporções fez desaparecer, segundo as primeiras análises, cerca de 86%
do Pinhal do Rei, desaparecendo, assim, quase dois terços do património natural
do Concelho da Marinha Grande.
Este invulgar incêndio outonal, ocorrido
num atípico dia de Outubro, cuja temperatura chegou a atingir os 36º, parece
ter tido a sua origem ao início da tarde a sul do Pinhal na povoação da
Burinhosa ou nos seus arredores, em circunstâncias ainda por apurar.
Com o país a atravessar um ano
considerado de seca extrema, decorrido o Verão e chegando a Outubro mantendo-se
as mesmas condições, o incêndio tinha todas as condições para uma favorável
evolução. Para além disto, tendo início a sul da Mata, o fogo beneficiou também
da fortíssima intensidade do vento e da sua anormal direcção, de sul para
norte, contrariamente ao que é normal. Outro factor que muito contribuiu para a
dimensão que o incêndio tomou está relacionado com a débil limpeza que tem sido
dedicada ao Pinhal nos últimos anos, quase ocultando aceiros, arrifes e
estradas, e originando uma enorme carga combustível.
Por outro lado, também as inúmeras
ocorrências, mais de 500 por todo o país, levaram, por falta de meios, a
alguns contratempos no ataque a este incêndio, fazendo-se, porém, o possível e
o impossível (quase) para acudir a tão grande catástrofe, havendo ainda a hipótese de, pelo meio, como justificação de tão grande número de ocorrências, ter havido alguma mão criminosa.
Com a administração à distância, com
o fim dos guardas florestais e equipas de trabalhadores rurais (assim eram
chamados) ao serviço das matas nacionais, que tão bem tratavam delas, dois ou
três técnicos locais revelam-se impotentes por falta de meios a todos os
níveis. É como diz o provérbio: "não se podem fazer omeletes sem
ovos".
Este incêndio é cerca de 3,5 vezes
maior do que o grande incêndio de 2003 e cerca de 1,8 vezes maior do que o
incêndio do Facho em 1824, que ficou conhecido como "A Queimada", e
que era até aos dias de hoje considerado como o maior incêndio (conhecido) no
Pinhal do Rei. Agora já não é.
Recordem-se as áreas ardidas nestes
três incêndios:
Em 2003, 2563 hectares (cerca de 25%
do Pinhal)
Em 1824, cerca de 5000 hectares (cerca
de 45% do Pinhal)
Em 2017, cerca de 9000 hectares (cerca
de 86% do Pinhal)
Depois desta tragédia, com o valor
da madeira a desvalorizar rapidamente, o Pinhal será cortado a breve trecho. E
se a tudo isto juntarmos alguns problemas que já vinham a revelar-se com a Duna Primária e a reflorestação atempada após os regulares cortes ou adversidades
passadas, como foi o caso do já referido incêndio de 2003 ou do temporal de 2013, eis-nos de novo na época de D. Dinis, quando as areias vindas do litoral,
impelidas pelos ventos de oeste, avançavam para as terras do interior
prejudicando a agricultura e as novas sementeiras de Pinhal.
Não sendo um problema apenas do
litoral, e muito menos exclusivo do Pinhal do Rei, dadas as consequências da
enorme área florestal ardida nos últimos anos, é necessário agir rapidamente
mas de forma organizada.
É preciso voltar ao início do século
XIX, aos tempos de José Bonifácio de Andrada e Silva e gerações posteriores,
que, desde esses remotos tempos, numa acção contínua, culminada com o Plano de
Povoamento Florestal de 1938, eliminaram por completo, nos 30 anos que se
seguiram, os desertos de areias móveis do litoral português e concluíram o
povoamento florestal dos terrenos baldios a norte do Tejo.
Depois de quase dois dias de árduo
combate às chamas, com os corajosos bombeiros, que de todo o país acudiram a
mais esta tragédia nacional, e com a ajuda da valorosa população, o incêndio,
quase dominado, capitulou definitivamente numa noite chuvosa.
Com o Sol de novo a brilhar, o pouco
que restou desta esplendorosa Mata, com mais de 700 anos de história, ficará de
lembrança daquela que era a mais antiga mata nacional. Porém, tudo o que dela
desapareceu ficará para sempre na memória e no coração daqueles qua a
conheceram, principalmente do Povo da Marinha Grande que sempre amou e
respeitou a sua Mata, a “Catedral Verde e Sussurrante” como lhe chamou Afonso
Lopes Vieira.
É preciso, agora, saber reerguer o
novo Pinhal do Rei, tratá-lo e amá-lo como fizeram os nossos antepassados, de
modo a que os vindouros dele possam usufruir, tanto como nós usufruímos.
O incêndio nas suas
primeiras horas.
Casa de guarda da Cova do Lobo destruída pelo incêndio.
Uma grande perda! Ontem fui ver o que tinha ardido, e foi inevitável chorar desalmadamente ao ver tamanha catástrofe.
ResponderEliminarVou continuar a acompanhar este seu belissimo trabalho.
Bem haja por tudo.
Marta
Felizmente, graças ao seu trabalho, vou poder mostrar às minhas filhas e espero que aos meus netos também (tenho 42 anos) como era o esplendoroso Pinhal de Leiria, ou como eu e muito lhe chamam de Mata nacional.
ResponderEliminarUm abraço